Coisas que importam
Eu não havia planejado esse texto. Na verdade eu havia planejado o contrário, que não enviaria newsletter hoje, afinal, é feriado. E eu adoraria dizer que o que me trouxe até aqui neste horário foi a força do hábito. Tenho a impressão de que esse tipo de afirmação dá uma autoridade e um poder pras pessoas.
Mas primeiro, isso não é verdade. Eu nunca escrevi por hábito, eu sempre escrevi por desejo. E depois, eu abomino esse lugar de autoridade supra-sumo da produtividade que o povo da internet adora sustentar.
Enfim, o que me trouxe até essa cadeira, com uma barra de chocolate ao meu lado, foi uma um tema que me acompanhou ao longo dos últimos dias: as coisas que importam na vida. E eu vou escrever assim mesmo, meio livremente, então é possível que alguns erros passem, mas vamos superar.
Datas comemorativas dessas em que as famílias costumam se reunir sempre me geram reflexões. Tem uma frase do Tolstói em "Anna Karenina" que diz
"as famílias felizes são todas iguais, as tristes são tristes à sua maneira"
Poder ler essa frase, não lembro quantos anos atrás, foi algo que justificou toda a minha alfabetização. Eu juro. Ela é uma das constatações que tiveram a importante função de nomear as nuances e ambivalências da minha relação com a minha família, ou as minhas famílias.
Há alguns anos eu passo datas como a de ontem em outro contexto, com a minha família escolhida, ou seja, as minhas amigas. E foi assim nessa Páscoa também.
Pois bem, hoje eu assisti a série “Dying for Sex", disponível na Disney+. Eu já havia sido informada de que era uma série profunda, como as que eu costumo gostar, mas não imaginava o tamanho da pancada.
Em resumo, a protagonista está enfrentando um câncer terminal, que a leva a cuidados paliativos. Neste processo ela se confronta com aquilo que gostaria de ter feito na vida, ou melhor, aquilo que gostaria de fazer antes de morrer. Resumindo dessa forma quase parece um daqueles roteiros chatos de positividade tóxica, mas e garanto que ele não passa por ali.
O ponto principal, pra mim, foi a escolha da protagonista em passar por esse processo com a sua melhor amiga. Não com o marido, nem com a mãe, que seriam os papeis mais padrão desse formato normativo de família. Sim, essa família tradicional que povoou os stories de Páscoa ontem.
As duas tem uma relação profunda, cuidadosa e transparente de muito amor e carinho. Diferente da relação dela com a mãe e com o marido, embora a mãe venha com um arco narrativo interessante mais para o final.
Eu comecei a lembrar que as primeiras amizades genuínas que eu fiz foi durante a faculdade. Não que as de infância não fossem, algumas até seguiram fazendo sentido, e ainda fazem, mas, assim como muita gente do interior, eu também precisei mudar de cidade para estudar, e isso nos coloca em uma posição evidente de maior vulnerabilidade.
Depois mudei novamente de cidade, dessa vez para o mestrado, e novamente pude construir amizades muito importantes, que foram fundamentais para o meu processo acadêmico, mas não só. Foi também nesse momento em que eu comecei a me letrar nessa ideia das “redes de apoio/afeto", e não das amizades como uma relação inferior às amorosas ou familiares. Durante o doutorado, em outro programa, a mesma coisa.
Eu vejo muita gente se perdendo por tentar agradar a todos os colegas, ou por restringir a jornada acadêmica ao diploma ou à pesquisa. Desconsiderando a fantástica oportunidade de criar vínculos significativos.
Quando mudei de cidade novamente, já doutora, em 2023, foi um pouco diferente, eu já não estava inserida no contexto acadêmico, mas ainda assim, quando a coisa apertou e eu precisei de rede de apoio, quem me estendeu a mão (e um quarto) foi uma das colegas que conheci no mestrado.
Em meio aos 20 litros de lágrimas choradas durante a série, senti que fiz uma boa escolha, quando deixei de idealizar uma família tradicional e normativa que eu jamais teria, e passei a construir, intencionalmente, vínculos com essas pessoas que a vida me apresentou.
No final da tarde, ainda atravessada por esse sentimento quase ambivalente entre a tristeza e o alívio, recebi uma mensagem do meu novo colega de faculdade, dizendo que tinha adiantado uma parte minha do trabalho.
“São as pessoas", eu pensei. As pessoas são as coisas que importam.
Aborda de uma forma muito boa,queria ter um português assim